segunda-feira, 12 de setembro de 2011

 

SENHORA FINKESTIN

Negar era uma forma de sobreviver. Assim tinha sido ao sair da Polônia em 1945 e sra Finkestin nada comentava do ocorrido. Quando a fundação Spielberg esteve no Brasil para tomar depoimentos dos sobreviventes de campos de concentração, ela ficou muda diante do vídeo por 30 minutos sem mudar a expressão facial. Tinha colocado uma peruca nova para encobrir a acentuada perda de cabelo que a vinha acometendo nos últimos anos e ficou triste por desperdiçar a oportunidade de aparecer tão bem para as amigas, que certamente fariam comentários por vários finais de semana na roda da mesa de cartas.
Quando seu marido alegando necessitar de algum, vendeu seu piano, preferia pensar que a artrose já lhe impedia de tocar e o melhor era parar. Para a neta passaria a colocar CDs e não teria importância à saudade que sentiria de sentá-la ao colo deixando os caracóis louros lhe roçar o rosto repetindo o gesto tão familiar pelo qual ela mesma havia passado há mais de 80 anos.
Difícil foi descobrir pouco depois da morte do marido, que o anel de brilhante ganho nas bodas de prata não estava na gaveta do escritório. Fez grande esforço para impedir que as circunstâncias lhe viessem à cabeça. Não encontrava justificativa para o marido pedir para guardá-lo no escritório. Várias festas sem o brilhante aconteceram e o Isaac não trazia o anel. Pior foi ter que virar o rosto abruptamente para não confirmar que o brilhante no dedo da Esther, há mais de três metros da sua mesa de jogo do Clube, era talvez...
Sentia-se mal e não sabia bem porquê. Sua filha agora morava em São Paulo e procurar um médico sem seu acompanhamento não lhe agradava. Acostumara-se a ter Isaac a seu lado nessas horas e ele sempre sabia informar ao médico o que ela sentia.
Sentada em frente ao doutor não conseguia dizer nada e restringia-se a responder mecànicamente às perguntas.
O médico partiu para o ataque e passou a perguntar sobre cada órgão. – “e sua função intestinal?”.
-“Não funciona” respondeu sra Finkestin
-“Há quanto tempo Dna. Finkestin?”
-“Não entendo”
Sem alternativa foi mais explícito:
-“Há quanto tempo a senhora não faz cocô?”
-“Ah doutor, nunca fiz”.

Marcadores:


Comentários:

Postar um comentário

Assinar Postar comentários [Atom]





<< Página inicial

This page is powered by Blogger. Isn't yours?

Assinar Postagens [Atom]