sábado, 5 de março de 2011

 

O Papel do Especialista

O Papel do Especialista


Jorge Luiz me procurou angustiado com uma forte dor nas costas. Jovem de 29 anos me relatava que há sete dias havia procurado um ortopedista na emergência de um hospital credenciado ao seu seguro saúde. Foi imediatamente encaminhado a um urologista que após breve conversa solicitou uma uro-tomografia (estudo tomográfico com contraste iodado dos rins e vias urinárias). A dor era insuportável e Jorge estava satisfeito pela perspectiva de ter um cálculo renal que removido, traria a solução para seu sofrimento.
Depois de duas horas de espera na emergência foi encaminhado ao setor de radiologia e logo após a injeção do contraste apresentou grave falta de ar e mal estar intenso. Instalou-se um entra e sai de médicos e vários medicamentos foram administrados até alguma estabilização. Foi transferido para o CTI. Resumindo, após dois dias recebendo vários medicamentos inclusive morfina para a dor nas costas obteve alta para seguimento no ambulatório. Perguntou ao médico plantonista:
- Qual foi o meu diagnóstico?
O jovem plantonista de pronto respondeu que foi um choque anafilático, tratado com sucesso. Mas doutor e a dor nas costas? Ah, sim. Isto será avaliado no ambulatório.
Jorge passava por grave crise pessoal e de trabalho. Ao examiná-lo verifiquei que a dor era na região lombar e nada tinha a ver com os rins. Havia um espasmo muscular lombar e ao pedir que chegasse com as mãos até próximo dos pés, Jorge ia no máximo até os joelhos. Executei algumas manobras de alongamento e Jorge sorriu dizendo sentir um grande alívio com as manobras. Conclusão – Espasmo muscular tensional.
Este caso me levou a pensar os critérios usados pelos pacientes para procurar um determinado especialista. Por que razão dores articulares, lombares ou dorsais levam o paciente a um ortopedista, sintomas urinários na mulher ou alterações na densitometria óssea a um ginecologista, dor de cabeça a um neurologista, e assim por diante. Será que a dor de cabeça não provém de hipertensão arterial, a osteoporose por problemas na paratireoide, a infecção urinária por obstrução por cálculo? No Brasil o Conselho de Medicina libera o médico de qualquer especialidade a tratar as mais diversas patologias ficando o insucesso para ser apreciado a posteriore. Os critérios dos pacientes na maioria das vezes são muito subjetivos. Indicação de alguém que apresentou sintoma “semelhante” e se deu bem com o tratamento, conhecimento divulgado pelos meios de comunicação e até mesmo propaganda, facilidade por proximidade geográfica, plano de saúde e tantos outros critérios discutíveis.
De outro lado o Clínico Geral deixou de ser o estrategista da medicina, aquele profissional com vasta cultura médica, diagnosticista e consultor da família com uma ampla rede de contatos de especialistas que lhe dê suporte na hora necessária. O Clínico era o profissional curioso que prolongava sua formação e gostava de estudar sempre.
É preciso resgatar nas escolas médicas, ao lado do conhecimento técnico-científico desenvolvido nas últimas décadas, o conhecimento amplo e humanista. Nossos mestres de clínica eram mestres no sentido amplo que orientavam desde a abordagem respeitosa ao paciente a uma escuta atenciosa das queixas e exame clínico rigoroso. Muitos eram grandes intelectuais. Não sou saudosista, mas certos avanços nos levam a simplesmente perder o essencial.

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